29 de agosto de 2023

Quem tem Raça no Brasil?

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Sobre

Na primeira parte da conversa, Arlane, Suzane e Mariana dialogam sobre o que é Raça no Brasil, a partir da vivência das pessoas Brancas. Elas exploram sobre como funciona “na prática” este conceito dentro da lógica da história e das relações tupiniquins.

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Episódio

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Transcrição

[Música] Quem é branco no Brasil tudo é raça no Brasil?

[Música]Tudo é raça no nosso país?

 

Arlane: Olá! Que bom ter você aqui no Projeto de Assis. O projeto de Assis é um podcast de conversas abertas, críticas, divertidas e até um pouco ácidas também sobre assuntos que no dia a dia às vezes, a gente evita. A intenção aqui é que a gente tenha conversas mais amenas como se a gente tivesse mesmo uma conversa de bar trazendo nossas experiências, nossos insights e nossos propostas para lidar com esses temas complicados. O nome Projeto de Assis é inspirado no grande escritor Machado de Assis justamente porque ele também tem essa postura crítica, ácida né? Na literatura dele, nas crônicas, nos livros, em tudo que ele produziu durante toda a sua carreira. Eu sou a host Arlane Gonçalves. Sou CEO e fundadora da AG Consultoria – uma Consultoria focada em Cultura, Equidade e Comunicação. Também sou uma mulher negra de pele clara. Me autodeclaro como parda e bissexual. Estou com tranças no cabelo, tranças loiras, até um pouco abaixo dos ombros. Estou vestindo aqui uma roupa preta, blazer, camisa, calça jeans azul e sandália rosa. Estou aqui ao lado da Suzane Jardim e da Mariana que já vão se apresentar. Nós três estamos numa sala cada uma sentada no sofá individual aqui atrás da gente tem uma TV com o logo do Projeto de Assis e entre nós tem uma mesa de centro com alguns livros, algumas canecas e alguns enfeites. Olá para vocês! Fiquem à vontade para se apresentar também.

 

Suzane: Posso ir primeiro então?

 

Arlane: Claro

 

Suzane: Ok! Grande prazer estar aqui conversando com vocês. Meu nome é Suzane Jardim. Eu sou uma mulher negra de pele clara. Me autodeclaro enquanto parda. Sou uma mulher cisgênera, bissexual e mãe de um garotinho de 14 anos também bissexual. Gente, quanto trabalho que eu tô tendo nessa vida, mas enfim… Eu tô vestindo uma blusa sem mangas azul e uma calça vermelha com uma bota nos meus pés. Eu tô muito contente de estar aqui com vocês hoje eu espero que a gente consiga ter essa conversa ácida com bastante qualidade e que a gente consiga dar umas risadas também porque eu acho que é importante né?

 

Arlane: Que assim seja.

 

Mariana: Olá! Eu sou a Mariana Macário também tô muito feliz de estar aqui eu acho que ter conversas ácidas e desconfortáveis é inevitável para a gente lidar com as estruturas que a gente tem no nosso país. Então, ficou muito feliz de a gente ter aqui um ambiente onde a gente pode fazer isso. Eu sou uma mulher branca, cisgênero, sou mãe de duas e madrasta de uma. Tô vestindo uma blusa branca, brincos roxos e tenho um cabelo na altura dos ombros meio enrolado, meio liso, meio indeciso. Espero que a gente tenha ótimas trocas aqui. Arlane muito obrigada por começar esse projeto e agradeço, Machado de Assis, por essa inspiração maravilhosa.

 

Arlane: Eu que agradeço pela presença e pela honra de ter vocês aqui! Bom, Suzane e Mariana vamos conversar sobre quem tem raça no Brasil. Antes de eu trazer algumas perguntas muito fáceis para vocês. Quero compartilhar algumas das coisas algumas coisas que já sucederam aqui no nosso país alguns marcos que a gente tem quando falamos de raça de autodeclaração e identidade racial. Tem um dado muito interessante de um censo. O censo do ano de 1980 e recebeu cerca de 136 nomes diferentes para cores declaradas por pessoas não brancas. Então, você teve pessoas se autodeclarando como: a castanhada, agalegada, amarela queimada, amarellosa, a morenada, azul, azul marinho, bem branca, bem clara, bem morena, cor de ouro, cor-de-rosa, cor firme, encerada, enxofrada que mais … mais nomes interessantes aqui: loirinha, marinheira, meio amarela, meio branca, morena bronzeada, morena bem chegada, mista, morena canelada, morena castanha, morena clara, morena cor de canela, morena fechada, morenão, roxa [risada]. Tem mais alguns últimos aqui interessantes: pálida.

 

Suzane: Eu tenho os meus favoritos dessa lista. Eu gosto do puxa para branca. Eu gosto do verde também porque quem respondeu verde eu acho que transcendeu.

 

Arlane: Transcendeu. O azul a gente até consegue visualizar. Vamos ver… Quase negra, queimada, queimada de praia, queimada de sol, regular, rosada russo, sapecada, sarará.  Enfim, tostada, trigo, enfim, né? Vários nomes aqui super interessantes.

 

Mariana: Estou completamente fascinada.

 

Arlane: Sim, isso lá em 1980. Algumas bolinhas aí atrás. Bom, saltando aqui para 2023, a gente tem o mais recente censo do IBGE, realizado no ano passado 2022, que encontrou por exemplo 10,6% de pessoas se autodeclarando como pretas né? Então, o maior índice de pessoas se declarando como pretas até hoje. Também 42,8% da população se identificando como branca e 45,3% se identificando como parda. Inclusive foi a primeira vez também que alguém do IBGE bateu lá na minha portinha e aí eu tive a oportunidade me autodeclarar como parda né? Dentro do censo e responder outras coisas também achei bastante interessante essa experiência. Bom, refletindo sobre essas várias coisas aí, do nosso passado, do nosso presente. Queria começar perguntando para vocês, então, quem é branco no Brasil?

 

Suzane: Depende de qual a definição né? Porque se a gente for no senso comum, na galera. Assim, geralmente se você faz essa pergunta vamos dizer ninguém porque eu tenho a minha avó que era negra, que era a índia, branco no Brasil não tem disso é só na Europa que é todo mundo misturado imagina nem tem branco aqui. Então, assim, depende né? A grande questão é entender como é que funciona as hierarquias na vida real. Porque apesar da gente ter essa ideia muito baseada numa experiência europeia e norte-americana. A hierarquia racial no Brasil. Ela existe e ela coloca enquanto branco a pessoa que mais se aproxima do padrão europeu e norte-americano que é considerado branco até então. É muito interessante essa pergunta porque aqui no Brasil a gente tem uma população que se reconhece enquanto branca para ser 42 né? Eu esqueci agora qual foi a porcentagem que você cintou, mas, é mais de 40% né? Que se autodeclarou branca no censo. Mas, na hora de falar com alguém eles têm de certo modo vergonha de dizer que são brancos. Ah, eu sou branco, mas eu não sou tão branco assim, porque minha bisavó era índia. Eu não sou tão branco assim, porque… Então a gente tem uma noção um pouco errônea. Exatamente porque aqui no Brasil a gente lida com a raça de um lado bem diferente da experiência europeia. Então, branco no Brasil, ele tem muito a ver com essas hierarquias. Ele tem a ver com essa proximidade em relação ao padrão do que se considera um branco puro, bonito e tudo mais. Mas, ele também tem a ver com a vergonha que ronda por aí que ela é muito sintomática sobre como a gente não fala de raça no nosso país e isso há séculos não é de agora né?

 

Mariana: Concordo totalmente eu acho que é bem confuso pensar que branco tem a ver com você pegar um pantone né? E colocar as pessoas numa ver se a cor de te se aproxima daquilo. Acho que as pessoas [pausa]. Que bom de onde eu falo. Eu falo de alguém. Eu nunca tive assim dúvida de que eu era uma pessoa de pele muito clara, mas, isso é completamente diferente de começar a entrar na conversa sobre raça entendeu? Que é raça entender como que essas hierarquias são ou não declaradas, então falando desse lugar. Assim, porque não tem a ver exatamente como pantone. Tem a ver, na verdade, não tem nada. Tem a ver com essa hierarquia né? Como que essa hierarquia que se relaciona assim com a cor da pele. Ela não é completamente descolada disso, mas ela é muito mais complexa. Então, como você estava dizendo tem a ver com um contexto, tem a ver com o lugar. Então, por exemplo né? Dois assim para mim que deixam isso bastante concreto até três. O Primeiro: pessoas como eu como eu né? Que sou me sinto bastante branca aqui no Brasil. Sei que tem pessoas que são bem mais brancas que eu, no sentido de estarem ainda mais no padrão europeu, mas, quando eu vou para os Estados Unidos é muito fácil me chamar de latina e a primeira vez que isso aconteceu. O primeiro tudo que quer ser Latina e tem uma outra conversa sobre isso. Você fala poxa são as hierarquias. Onde tem alguém muito mais branco você é colocado e não é só a cor da pele. Exatamente ser brasileiro né? O Outro exemplo: é quando a Lia Vainer Schucman, que é uma autora que reflete sobre a branquitude. Uma das poucas pessoas brancas que reflete sobre branquitude. Coloca nas entrevistas que ela fez para o doutorado dela que as pessoas aqui em São Paulo é que, por exemplo, eram, no caso das entrevistas, eram cearenses e por ter a pele clara se colocavam como brancos, mas, muitas vezes. E aí não vem aqui um julgamento. A gente sobre a atitude das pessoas não é uma das responsabilização, mas é como as hierarquias incentivam as pessoas oprimirem para se colocar num lugar de não negro né? Mas, ao mesmo tempo sendo oprimido pelo fato de não serem de São Paulo. Todo estereótipo do que ser nordestino com muitas aspas aí. E a terceira exemplo que eu daria assim são as pessoas que por exemplo tem vamos chamar de árabe né? Uma coisa que a gente chama de árabe aqui no Brasil. Todas as nacionalidades os estereótipos ligados essa região do mundo não são racializados. Então, por exemplo meu marido que por ele misturas da genética. As pessoas vivem perguntando se ele é entre aspas de novo árabe o que quer que isso significa para ser relevante aqui para ele. Ele não é discriminado por isso. Quando ele estava na França por um passeio disseram para ele na rua vai embora daqui. Então não é a mesma coisa não é a mesma coisa nos lugares. Então, para retomar aqui terminar minha fala. Eu acho eu acho que você falou uma coisa muito importante também da branquitude que não se declara. Então, assim, eu sei que eu sou branca, mas se eu admitir isso hoje no Brasil eu vou estar admitindo um lugar de muito significado que mesmo sem a intenção tem uma série opressões costuradas. Então, é uma branquitude que se disfarça né? Para não se responsabiliza, para fingir que raça não existe, mas aí você conversa para o próximo episódio.  Não sei se acho que a gente vai falar da raça que não existe. Então de um lugar de neutralidade e desresponsabilização.

 

Arlane: Total! Gente, é enquanto vocês falavam [pausa] tem duas, tem duas palavras que eu sempre associo quando eu vejo pessoas brancas ou quando a gente estuda sobre o tema demonstrando uma dificuldade de se autodeclarar: uma é pureza e a outra é merecimento. Ou seja, existe uma ideia de que para você ser branco, você tem que vir dentre aspas de uma linhagem pura. Mas, se você tem alguma miscigenação, se você tem alguma, tem passado não branco na sua família né? Na sua origem, logo você não é uma pessoa branca. Ou seja, logo você não merece se autodeclarar como uma pessoa branca.  Isso é muito interessante. Uma vez, eu estava conversando com uma executiva claramente branca não havia nenhum tipo de dúvida né? Tem algumas pessoas que às vezes está no limbo. A gente fica na nossa o que é essa pessoa. Não era o caso dessa mulher. Não somente uma pessoa branca, mas uma pessoa de classe alta.  Enfim né? Com vários recortes ali que colocavam ela no lugar bastante da branquitude e aí ela comentando que certa vez ela estava conversando com uma pessoa e precisou fazer autodeclaração racial. Porque ela tem cabelo preto, ele se autodeclarou como morena.

 

Mariana: Essa palavra merecia um episódio inteiro né?

 

Arlane: ó senso ali de 1980 de novo né? A gente não se livrou dele. Essa pessoa com quem ela estava conversando acontece de ser uma mulher negra. Era uma mulher negra e essa pessoa a corrigiu falou não você não é morena. Ela não então eu sou parda. E aí eu fui lá explicar para ela né? Como que funciona a identidade racial brasileira que através do fenótipo da aparência, ou seja, não é necessariamente, na verdade, não importa a sua ascendência né? A sua linhagem se é pura ou se é miscigenada. Novamente entre aspas né? Mas, assim, sobre a sua aparência física sobre como que as pessoas te veem, te interpretam, te trata.  Ainda assim ela continuava não porque branca eu não sou branca, eu tenho uma pessoa indígena na minha família, antepassado indígena na minha família. Branca, eu não sou branca, não sou. Quase que um medo de fato né? De se autodeclarar dessa forma de se dizer dessa forma, então, é algo bastante interessante de notar porque [pausa]. Outra reflexão que eu tive esses dias conversando com uma outra pessoa, uma outra mulher negra, também foi o seguinte ela falou assim: Arlane, pessoas brancas tem um altíssimo. Embora elas não falem, embora isso não seja uma conversa né? Elas têm um altíssimo nível de consciência racial e de consciência de classe no Brasil. Eu achei isso assim de explodir mentes porque eu nunca tinha parado para pensar dessa forma né? Você tem um grupo de pessoas ali que vão se juntando se protegendo mantendo seus relacionamentos né? Cida Bento, chegando aqui de novo na conversa. Então, independente de falar em abertamente se reconhecem dessa forma. Independente de se posicionarem ou de conversarem sobre raça ou qualquer que seja temática relacionada. É assim que elas, geralmente, se comportam.

 

Mariana: É um pacto tão forte que ele não precisa nem ser anunciado.

 

Suzane: Exatamente! E, que tem totalmente a ver com a nossa história. Porque muita gente é faz esse tipo de coisa do eu não sou branco, imagina e tudo mais sem entender o quanto isso é um filme histórico que dura séculos. O Brasil quando ele acaba com a escravidão né? Daquele jeito totalmente questionável e tudo mais deixando uma série de resquícios. Ele quer se colocar como lugar extremamente diante dos outros lugares da América Latina. O Brasil, ele sempre teve uma população negra, extremamente alta, extremamente grande. Uma população negra que estava ali escravizada, sendo colocada. Quando a escravidão acaba a ideia é essa população negra não pode ser a cara do Brasil. A cara do Brasil precisa ser outra coisa. Então, o Brasil vira o lugar do brasileiro. Quem é o brasileiro? Ah, o brasileiro miscigenado, o brasileiro [pausa] ele adora valsa, mas ele adora samba, ele adora futebol, ele adora caipirinha. Não tem branco no Brasil. Também não tem preto no Brasil. Principalmente, não tem preto tá? Esse era o grande recado que davam. Tanto que não é à toa que a gente fica até surpreso com mais de 10% da população, atualmente, se autodeclarar como preta. Porque antigamente, depois do fim da escravidão, esse tipo de autodeclaração era extremamente rara porque as pessoas elas não se autodeclaravam, enquanto pretas porque havia uma carga extremamente pesada. Extremamente pesada. Eu posso dar um exemplo da minha mãe. Minha mãe vai fazer 70 anos agora. Faz uns cinco anos que ela começou a entender que ela é preta e ela é retinta. Ela sempre dizia preta não sou, preto mesmo é aqueles africano aí. Eu ficava, amiga. Olha onde você tá. Para ela isso fazia sentido porque a gente é periférico. A gente é da cidade de Diadema, São Paulo. O que tem mais lá é preto, o que tem mais lá é retinto. Então, se criava um padrão desde esses tempos mais antigos para você se destacar. Minha mãe que é uma mulher preta retinta. Ela dizia preta eu não sou eu sou morena. Certo e aí ela conseguia dentro disso criar uma hierarquia própria para se colocar como alguém que não merecia o racismo que sofria. Isso era muito triste de se ver porque ela sofria ações de racismo o tempo inteiro e ela falava para mim, eu lembro muito bem disso, que ela não entendia porque preta ela não era. Então, assim, a gente tem esse histórico que tem a ver como o Brasil se constituiu, que tem a ver com a identidade nacional que foi se criar não é à toa né? Que nossos heróis nacionais se você vai lá jogar no Google Tiradentes. Ele é Jesus Cristo. Não é mesmo, gente? Ele tá lá branquíssimo, olhos claros, barba. Tem todo aquele imagético que tenta criar os heróis nacionais como se fossem brancos europeus. Quem é o negro no Brasil? Negro, ele é legal. Ele é legal para formar o brasileiro, certo? Porque o futebol, porque o samba, porque aquilo, porque aqui. Mas, ele não é a identidade do brasileiro. A identidade do brasileiro é o moreno. Quando você adota essa identidade, você coloca debaixo do tapete as hierarquias e as identidades reais. É isso que a gente chama da tal da ideia da democracia racial né? Você criar toda uma lógica: onde não se nomeia ao mesmo tempo que essas hierarquias elas estão presentes o tempo inteiro. Eu posso falar isso porque enquanto filha de uma mulher negra retinta, eu vi o racismo que ela sofria no cotidiano independente dela dizer sou preto ou não sou. O racismo estava ali exposto e eu sempre falo. Eu sofria racismo quando era mais jovem? Sim. Entretanto, racismo que eu sofria ele era de outra ordem. Eu lembro que na escola não me chamavam de macaca. Quem era chamada de macaca era umas pessoas retintas, mas eu era chamada de baiana suja. O que quer ser suja? Quando você pensa em raça.  O que que é você ser colocada como alguém que tem a pele suja? Isso é uma hierarquia. Onde você coloca a pessoa da pele clara, enquanto, o grande padrão né?

 

Mariana: Então, e aí você cria um polo, uma opressão extremamente poderosa porque ela não se nomeia. Porque ela organiza né? A gente tá falando de hierarquia né? Essa palavra é muito poderosa? Porque tem quem tá em cima e quem tá embaixo. Todo uma escada que vem. Onde você [pausa]. Eu fico imaginando. Às vezes eu fico também refletindo, assim, né? A opressão do valor de ser branco atraindo as pessoas. Querendo atrair as pessoas para se afastar da identidade negra e tanto por achar elementos para que você [pausa]. Eu acho que não cabe as pessoas brancas elaborar a subjetividade das pessoas negras, não deve ser. Não cabe comentar, mas tô falando não de lugar de entrar na mente. Mas, eu fico olhando a branquitude operando, operando para dizer assim: vem para cá, se despolitize, se afaste desses valores para vir para o lado do branco. Mas, é um canto da Sereia porque vai [pausa]. Eu penso que é para despotencializar desse outro lugar. Onde você vai se unir, você vai questionar. Isso também claro que de uma forma completamente diferente também. Aí é o pacto narcísico dos brancos vai querer dizer não fale, não nomeie. Aí agora. Estou um pouco na dúvida. Mas, é a Cida Bento. Quando fala do pacto, ela fala branco: não sei, não vi, não comento, não fale. Então, uma coisa que fecha os olhos mesmo. Lembrei também da Sueli Carneiro quando ela propõe né? Tirando o branco é tudo preto. Para juntar mesmo. Para trazer essa coisa. Fico até arrepiada e para [pausa]. Quando ela [Sueli Carneiro] diz assim: Vocês que são brancos. Vocês que inventaram esse negócio aí. Vocês que elaborem isso né? Para a gente, como pessoa preta, juntando assim. A gente vai se unir, assim. Então, eu acho isso muito potente porque denuncia essa coisa que não se nomeia. Mas, que é muito poderosa. Mas, que eu penso que é isso atrai para despotencializar. Enfim, tirar riqueza, tirar a cor, tirar complexidade. Bom, se embranqueceram até o Machado de Assis né? Se embranqueceram Jesus e Machado de Assis. Mas, ele [Machado de Assis] tá. Ele tá aqui. Gente, não sei se vocês estão vendo, mas, ele tá aqui. Ele tá aqui pretinho. Tá tudo então

 

Arlane: Quem escapa? Embranqueceram Machado, Jesus. Vai todo mundo no embranquecimento.

 

Mariana: São infinitas [pausa]. Espero que não sejam, mas parecem infinitas as ferramentas. Mas, elas hão de não ser.

 

Arlane: Enquanto, a Suzane comentava a experiência dela na escola, por exemplo. Tem uma reflexão que sempre volta a minha cabeça, quanto a raça, que é quem que tem, quem é que pode se considerar, quem é que pode tem que ter um privilégio de se considerar, de se autonomear. Eu lembrei também de uma fala do professor Silvio de Almeida. Ele contando que um dia criança foi para escola e estava muito frio aqui em São Paulo. Então, ele tava usando um gorro né? Assim como todos os demais coleguinhas dele da sala de aula usando gorro e aí quando ele chega na sala de aula a professora vai lá e tira o gorro da cabeça dele e aí fala não você não pode usar o gorro. Ele fala mais porque todos os meus coleguinhas estão usando e ela responde não porque senão você parece bandido. Ou seja, tem um grupo né? Tem uma parte aqui do Brasil que pode se autonomear. Se dizer Branca. Se dizer não branca. Ou até se autodeclarar como parda porque se vê como miscigenada, mas tem uma outra parte que é isso né? É a baiana suja, macaca. Ou seja, a sociedade já está nos dizendo

 

Mariana: É outro. É alteridade.

 

Arlane: É outro já dizendo isso para gente.

 

Mariana: Mas, se tem um outro tem um padrão.

 

Arlane: Exato! Isso se conecta a uma outra coisa que você mencionou que foi sobre a ideia de que ok uma vez que eu coloco o pé para fora do Brasil. Quando vou lá para Europa. Quando eu vou para os Estados Unidos. Eu não sou uma pessoa branca, eu sou uma pessoa latina. Então, não existe, não existe branco né? Eu confesso que eu acho isso um pouco engraçado

 

Mariana: Para dizer o mínimo.

 

Arlane: Para dizer o mínimo. É porque assim o fato de você. Se eu, Arlane, se eu vou lá para Europa Ok. Eu posso ser chamada, considerada latina. Eu ainda serei negra. Eu ainda serei vista como negra. Então, as pessoas brancas do Brasil ainda que lá fora vocês estejam numa hierarquia inferior em relação as pessoas brancas de lá e sejam chamadas de latinas. Vocês continuam sendo vistas também como brancas. Uma coisa não exclui a outra.

 

Mariana: É verdade.

 

Arlane: É uma coisa, assim, muito surreal. E, de ver pessoas que tem conhecimento da pauta étnico-racial, de pessoas que têm acesso essa informação, que inclusive trabalha com essa informação, se autodeclarando como pardas porque estão pressupondo que a hierarquia racial brasileira está submetida aqui no nosso contexto interno a uma hierarquia. Uma pretensa hierarquia externa, internacional. Não porque assim branco é quem tá lá na Europa. Branco é quem tá lá nos Estados Unidos. Então, eu tô aqui no Brasi, não

 

Mariana: Então, concordo. Junto com isso o que me gerou muita reflexão ao descobrir que as pessoas conforme a vida, principalmente, profissional. Me foi vendo, mais do que estar nesse lugar ver pessoas. É bom, [pausa], posso falar aqui também. Também passei um pouco por isso. Mas, as pessoas perceberem que branco é uma ideia. Eu acho que essa. Esse deslocamento. Esse deslocamento. Olha só, então, a pessoa branca, ela tá no Brasil fingindo que essa hierarquia não existe. Mas ela [pausa]. Acredito eu que ela está fingindo. Essa consciência racial que você falou, que Cida Bento fala do pacto. Ela [consciência racial] está operando né? Mas, a pessoa está dando para fingir que essa hierarquia não existe. Aí quando existe esse deslocamento a pessoa, um pouco [pausa]. Ela não dá mais para fingir que essa [pausa] que esse ideal não existe. Então, é como se parece que admitir: poxa, existe uma ideia de branco. Eu acho que última instância talvez podemos dizer que ela nunca é atingida. Porque quanto mais ideal ela for, mais as pessoas ficam tentando ser brancas. Acho que a gente precisa falar: Ser branco não é só alvura da pele. É reproduzir uma série de valores. E não sei que que é mais cruel: se é você poder passar com esse fenótipo ou reproduzir. Acho que é igualmente cruel. Então, assim, é aí é falar de colonialismo. Como você fala assim: nossa, então lá eu podia me valer mais dessa vantagem, aqui essa vantagem tá um pouquinho diferente. Para algumas pessoas pode ser uma oportunidade de ser confrontado com a existência. Mas, como a teoria da consciência racial mostra você confrontado não necessariamente significa que você vai usar aquilo para, se para tentar, se desinternalizado mesmo né? Você pode continuar negando e pode ficar até mais. Às vezes, a negação fica até mais forte, a partir do momento que você precisa admitir, que aquilo existe. Mas, é isso outros 500 né? As encruzilhadas do, da confrontação dessa realidade.

 

Suzane: Fora que tem o fato básico de que o que é identidade latina dentro do Brasil. Todos nós somos latinos de certo modo. O que isso informa sobre raça para gente? Nada. Nada. A gente só tem uma informação e uma hierarquia sobre raça, a partir da identidade latina, quando nós saímos do Brasil, por quê? Porque dentro da nossa história, dentro do projeto de embranquecimento nacional que é um projeto que se aplica. Literalmente, é um projeto são intelectuais, são instituições que vão pensar no embranquecimento do Brasil. Dentro disso que ocorreu na história. Vocês podem jogar no Google. Vamos lá Google, gente. Embranquecimento Nacional. Procurem sociedade eugênica brasileira. Tá tudo aí. Existem os dados. Dentro desse projeto de embranquecimento, a identidade da latina, ela não informa. Todo mundo no Brasil é latino. Todo mundo é igual no Brasil? Porque desculpa. Tem aquela coisa básica né? Se você acredita que todo mundo no Brasil é igual e todo mundo no Brasil tem as mesmas chances, você olha ao redor e vê que quem tem o poder econômico é branco. Quem tem hegemonia na mídia é branco. Quem é a grande liderança das organizações é branco. Então, você tá querendo me informar que os brancos são melhores. Porque esse afinal de contas todos são iguais e a maioria é branca. Você tá querendo me dizer que você concorda que branco são melhores, certo? Se não você tem que pensar, o quanto isso informa sobre como a gente constitui raça no nosso país. E, que a lógica da identidade latina, ela não tá aqui. Ela não está aqui. Ela não informa sobre a nossa história. Ela não informa sobre como o Brasil se constitui. Claro, seria lindo né? Imagina a gente super empoderado é latinos. Uhu! Mas, a nossa história é outra a nossa história. É outra. E, para mim, eu acho muito sintomático. O quanto várias e várias vezes pessoas brancas pararam para falar comigo e dizer eu entendo que vocês sofrem porque quando eu fui para Amsterdam, para Alemanha, para Colorado blá blá blá blá. Gastar o meu dinheiro de branco lá. Eu fui chamar de latino e doeu.

 

Mariana: Eu também sofri que era isso que você estava falando.

 

Suzane: Aí eu penso putz deve ter sido foda hein? Olha sinto muito por você quer é um abraço? Sabe

 

Mariana: Mas, você tem um lugar para voltar. Olha que coisa.

 

Suzane: Onde você pode estar seguro.

 

Mariana: É o país que você nasceu.

 

Suzane: Exato. Onde você nasceu

 

Mariana: Não é bom?

 

Suzane: Onde você será abraçado. Porque eu vou ser sempre a baiana suja. Independente de eu estar no Brasil ou tá em Amsterdam. Colega, inclusive, eu não vou ir pra Amsterdam porque eu não tenho essa grana não. Porque os meus pais, minha mãe preta, blá blá blá. Não teve essa herança histórica para guardar o suficiente, para usufruir dessa forma.

 

Mariana: Que triste ter que viajar para entender

 

Suzane: Exato, né? Colega, meu sonho!

 

Mariana: e, não enxergar o próprio país né? Mas aí você volta para cá e sei lá. E, tudo continua igual. Não precisaria viajar para ver tudo isso. A gente está exposto a isso desde sempre.

 

Arlane: É uma relativização constante né? Tem tanto esses comentários de viagens aos exteriores e experienciei alguma coisa que me fez ficar e me senti ofendido, ofendido. Quanto a analogia com roupas, por exemplo. Ah não, porque aí se eu for a um shopping de bermuda, aí eu vou ser maltratado, o segurança vai pedir para eu me retirar. Como se assim, né? Como se tem algum nível isso fossem coisas comparáveis. Experiências comparáveis. Quando a gente fala de raça, racismo. A gente tá falando desde alguém ser preterido de uma oferta de emprego ou tem um histórico de não acesso aos direitos oportunidades. A pessoa sendo mortas aqui no Brasil a cada 23 minutos pela polícia por serem pessoas negras. Homens negros sendo mortos, porque tá com guarda-chuva na mão. A polícia confunde com uma arma de fogo. Famílias sendo alvejadas pelo exército com 80 tiros. Enfim, é uma coisa muito mais profunda muito mais

 

Suzane: Não só é muito mais profunda. Porque você falando essa coisa das roupas me lembra o dia que eu conheci a Lia Vainer. O dia que eu a conheci, a gente estava papiando. Tomando uma cerveja. Trocando uma ideia. E, ela me falou de uma das entrevistas que ela fez no mestrado. Onde ela foi entrevistou pessoas em situação de rua para perguntar para essas pessoas o que era ser branco. Assim, ela estava falando para mim porque ela fez a mesma pergunta para pessoas de classe mais alta que relativizaram totalmente. Ah, não sei o que é ser branco porque eu sou brasileiro blá blá blá blá blá blá. Mas, quando ela perguntou para uma um rapaz branco em situação de rua. Ele olhou para ela e falou: ah eu acho que é poder entrar no shopping para cagar.

 

Mariana: Exatamente.

Suzane: Ele falou essa frase e assim, a gente riu na hora da mesa. Mas, cara vocês já pararam para pensar nisso o quanto realmente é sintomático.

 

Mariana: Eu acho que você ri até porque é tão difícil lidar com uma coisa tão [pausa]. É quase inominável, de tão básico, concreto e fundamental.

 

Suzane: Exato.

 

Marina: Porque você tem que ser confrontado com uma coisa tão fundamental que todas as construções teóricas, que a gente vai fazendo. Eu aprecio muito as construções históricas que a gente faz. Mas, aí de repente, você [pausa] É um tapão na sua cara de que é tão básico. Desculpa, não queria te interromper.

 

Suzane: Magina

 

Mariana: Mas, é difícil… assim.

 

Suzane: É muito doido isso porque eu fiquei pensando: cara, é isso foda-se a roupa. Foda-se. Desculpa falar palavrão, gente foi mal. Tá geral. Eu sou cristão. Mentira.

 

[Risadas]

 

Suzane: Mas, enfim perdão pelo palavrão. Mas, é realmente você já pensaram que assim o que define necessidades fisiológicas de uma pessoa e possibilidades é a cor da pele. Sabe uma pessoa em situação de rua, ela realmente por mais que seja mal vestida blá blá blá. Por ela ter uma cor da pele. O que eu achei mais magnífico de quando ela deu esse exemplo é a pessoa reconhecer. Porque a pessoa todo mundo fala isso para mim. Eu sou professora, sou historiadora, professora e eu comecei a minha vida enquanto professora dando aula sobre questão racial em periferia. Diadema. Maioria preto e muito branco. Muito branco também porque na periferia tem branco pô tá lá. E, aí todo mundo fala nossa deve ser tão difícil né? Porque o branco da periferia ele não vai conseguir falar de raça, porque afinal de contas ele também é um branco que tá ali sofrendo com a questão de classe. Não. Na real, o branco da periferia, ele tem essa consciência. Assim, porque ele sabe que se ele coloca uma roupinha melhor, ele não é parado pela polícia igual os amigos dele são. Eu ouvia isso o tempo todo da galera ali. Muitas vezes havia inclusive impactos de sobrevivência. No sentido de meu amigo preto mora naquele lugar, eu que sou branco vou com ele porque aí eu tenho como proteger. Então, é muito perverso isso né porque as pessoas acham: Ah não, o branco periférico. Ele não vai conseguir entender esse papo imagina. Olha como vocês são acadêmicos.

 

Mariana: Como se você precisar dessa grande construção. Não. A vida cotidiana mostra para todo mundo.

 

Arlane: Como se fosse muito teórico.

 

Mariana: Quando você falou da mulher branca é eu. É muito cruel que eu vou falar e sempre acho que dói, assim. Mas, assim, hoje se eu tivesse com uma pessoa assim. Eu não ia talvez ter muita paciência com as minhas. Com os meus colegas. Pessoas que estão comigo nessa jornada de ser branco e não querer admitir. Fala assim. Me fala uma coisa, quantas vezes a catraca travou para você? Eu tenho certeza que essa pessoa sabe. Só que ela fecha o olho para quem a catraca trava. O que me faz pensar. Quando você tá falando disso de quem, de quem olha para o outro. E, quem não olha tem que ir para os Estados Unidos para pensar e aí você volta. Me parece um pouco. Não dizendo que é a mesma coisa. Mas, me dá a mesma sensação de quando um homem fala assim: Nossa, agora que eu tive uma filha, eu consigo pensar sobre o machismo. E, eu pensando assim, primeira coisa que eu penso. Nossa você teve uma mãe não pensou sobre isso. Você nunca conviveu com mulheres. Mas, eu vou voltar para a questão racial. É real que eu estou falando. Assim, eu passei por isso durante muitos anos é tão. São tantos mecanismos para colocar você a serviço. Colocar todas as pessoas a serviço dessa hierarquia, que daí eu fico pensando imagina uma pessoa, né? De 30, 40 anos 20, que seja branca né? Identificada como branca que vai para um país. Aí ela volta. Aí eu fico pensando: Nossa ela, eu, a gente nunca olhou para o lado. A gente nunca. A gente olha para o lado. A gente vê, mas você cria os mecanismos para em última instância desumanizar né? É uma desumanização. Se você tá vendo, toda hora que tem alguém para quem é catraca trava e para você as portas se abrem, né? Para você, o segurança corre para não causar nenhum. Para você que eu digo uma pessoa branca. Nem obstáculo para você entra em outro lugar. Enquanto, para outro não é assim que as coisas se dão. Você vê todos os dias na TV. Quem é preso. Quem não é. Você vê todos os. Assim, infelizmente esse é o país que a gente. Gostaria que não fosse. A minha filha, quando ela tinha três anos. Ela falou. Quatro, assim. A gente estava na Avenida do Estado. Farol fechou. Era de noite. A gente estava voltando de viagem. Nunca esqueço. Ela olhou para mim e falou assim porque são sempre as pessoas marrons que estão na rua pedindo dinheiro. E, aí eu falei é agora, né? Assim, porque uma pessoa branca de acordo com os estudos é com 30 anos, que ela vai ter uma conversa sobre raça. Se é que ela vai ter. Se é que ela vai ter [pausa] descobrir que ela tem raça, né? E, a gente sabe que todos. Não existe raça. Todos temos raça. Mas, a gente sabe que com as pessoas, que não tem a alvura na pele, ou, todas essas vantagens não são com 30 anos. Então, só trouxe esse exemplo dela para dizer que, assim, é hora de nomear, porque ela tá enxergando um padrão. É inacreditável os mecanismos, que vão existindo pra gente fingir que o padrão não existe. Você não precisaria viajar para nenhum lugar para ver. Então, é porque a gente não vê as pessoas. A pessoa branca não vê a pessoa negra como seu irmão. Chame do que for como ser brasileiro, cidadão, como cidadão, irmão, como seu igual, né? Então, um mendigo. A pessoa em situação de rua. Me Perdoe! A pessoa em situação de rua. Ela está vendo. Todos nós estamos vendo. Não tem.

 

Arlane: Ela tá vendo. Ela tá reconhecendo, né? E, aí fica pensando nos mecanismos para fingir que não veem o pacto. Para todo mundo fingir que não vê.

 

Suzane: Nossa, inclusive muito rapidamente. Eu lembro de uma situação que eu falei: – hoje, eu vou ser demitida, é hoje. Porque eu estava dando aula em uma escola. Eu fui contratada, enquanto professora para trabalhar no projeto. Surgiu o assunto raça e aí uma moça muito legal, muito educada, muito simpática. Ela, simplesmente, disse ai, mas, é que crianças, elas não veem cores, né? Crianças. Elas têm essa pureza tanto que um dia, eu estava com meu sobrinho de uns 6 anos no mercado. E, meu. Enfim, ela disse que estava com sobrinho de 6 anos no mercado e passou um homem negro retinto. E, o menino começou a gritar. O menino começou a gritar em pânico no meio do mercado, apontando para o rapaz e dizendo tia Tia: – Olha, ele é preto, ele é escuro.

 

Mariana: Ela estava falando as duas coisas completamente [inaudível] ao mesmo tempo.

 

Suzane: Ela veio e me falou isso.  Ela disse: – Mas, porque, porque ele é inocente. Não é porque ele é racista. É porque, simplesmente, a criança de 6 anos nunca tinha visto alguém daquela cor. Então, ela se manifestou daquela forma. Eu olhei para a cara dela. Eu falei: – Quantas contas eu tenho para pagar esse mês. Eu juro. Eu juro que eu fiz uma conta ali, assim. Eu falei quantos boletos.

 

Mariana: Você precisou evocar os boletos.

 

Suzane: Exato. Eu falei: – Ah, quer saber o boleto a mais, boleto a menos.  Eu falei: Ah, eu concordo a criança não é racista. Racista é você e toda sua família. Porque, desculpa, você está querendo me dizer que uma criança passou seis anos vivendo no Brasil e ela nunca viu uma pessoa negra na televisão. Num livro. Uma festa de família. Dentro da casa dela. Na rua.

 

Mariana: Que país

 

Suzane: Onde você mora?

 

Mariana: Onde você mora?

 

Suzane: Exato. Assim, desculpa.

 

Mariana: Quantos muros nós? Nossa, você deve gastar. Quantos muros, a gente constrói? Imaginários, concretos, simbólicos. Para você, está ensinando uma criança que…

 

Arlane: A resposta está na própria fala da pessoa. Mas, ela não vem é um nível. É uma cegueira.

 

Suzane: Inclusive, ela ficou ofendidíssima. Oba, e, ficou lá justificando. Eu falei: – Tá bom. Claro, não fui contratada de novo. Não dei mais aulas ali. Mas, lavei a alma porque porra, velho.

 

Mariana: Até porque, né, Suzane? Pensando agora. Ela. Aposto. Olha as partes do meu corpo. Podem fazer. Mas, eu aposto uma parte do meu corpo, que ela estava falando isso para você validar a maluquice, que ela estava falando

 

Suzane: E, a segregação que ela impõe dentro da própria família.

 

Mariana: E, ao você validar ela poder continuar. Ela colocar mais um tijolinho nessa auto enganação

 

Suzane: É

 

Mariana: Para ela viver. Para a pessoa branca, viver nesse castelo encantado que não existe, porque se você desce do castelo é insuportável.

 

Arlane: Como

 

Mariana: É desumanizador

 

Arlane:  Como que a gente tá de tempo.  Tá bom. Tá indo aqui. Para assim, a gente. Meu Deus, a minha cabeça tá fervendo!

 

Mariana: É branco fazendo muita branquice.

 

Arlane: Assim, tem muito. Muitos.  Muitas coisas aqui efervescendo a partir da nossa conversa. Mas, assim quero fazer uma pausa nesse momento. Uma pausa um pouco didática para quem estiver nos ouvindo ou nos assistindo. A gente falou que bastante sobre identidade racial, sobre autodeclaração racial, sobre quem é branco, sobre quem é pardo, né? Inclusive, na fala da Mariana, ela trouxe a questão de ser uma pessoa branca não ser tratar apenas a cor da pele, mas também de valores, de uma visão de sociedade. Enfim, nós vivemos no país que foi colonizado, que tem uma lógica, que tem uma estrutura racial implementada, que nós reproduzimos e reforçamos, consolidamos a todo tempo, né? Mas, para você que está nos ouvindo ou nos assistindo, quero voltar. Quero dar alguns passos só falar um pouquinho sobre a autodeclaração racial em si. Vai que por exemplo IBGE bateu na sua porta ou vai que você vai responder um censo dentro da sua organização, dentro da sua empresa, ou em qualquer outra ocasião que você seja confrontado ou confrontada aí. Ou perguntado, perguntada para falar sobre a sua autodeclaração racial. Importante. Ponto de partida. No Brasil, qualquer que seja a sua identidade, a sua autodeclaração racial. Nós somos pessoas miscigenadas, tá? Para você chegar a uma conclusão de ser uma pessoa x ou uma pessoa Y, né? Conforme a sua autodeclaração racial. Não depende da sua miscigenação. Não depende do seu histórico familiar. Inclusive, cheguei a fazer o meu exame de DNA. Não sei se vocês já fizeram.  Fiquei muito curiosa para saber. Quando eu estava. Quando chegou o resultado eu vi ali um 46% e eu li de relance. Assim, errado 46% europeu. Gente, começou a me dar

 

Marina: palpitação.

 

Arlane: Palpitações. A Minha Vida Passar como um filme na minha frente. Mas, depois eu dei uma olhada era 46% africano. Mas, assim o ponto é tem várias outras porcentagens. Para vocês terem ideia, tem porcentagem de origem japonesa, de origem é árabe, judaica. Ou seja, ainda assim, apesar de toda essa mistura e apesar né? De toda essa miscigenação ali nos meus antepassados. Eu sou uma pessoa negra. Você olha para mim. Vocês olham para mim e vocês leem tá? A Arlane não é uma pessoa preta, né? Ela não tem uma pele escura, retinta. Mas, você tá vendo aqui em mim traços, né? Além de um tom de pele, mas também traços relacionados as características de negritude. Portanto, a soma né? Dessa leitura. O resultado dessa leitura é a leitura de uma pessoa negra. Então, quando a gente fala de pessoas brancas. A gente também olha para essa mesma lógica né? Qual que é o resultado da soma da leitura dos seus traços físicos. A gente usa a palavra fenótipo, mas a gente está falando de aparência. Aparência física né? Também. Quando a gente fala de pessoas pardas nós estamos falando de pessoas como eu, como a Suzane, que são pessoas negras de pele mais clara e de traços de negritude menos intenso. Digamos assim, né? Quando a gente fala de pessoas pretas, a gente fala de pessoas negras de pele mais escura, mais preta, mais retinta. E, tá tudo bem usar a palavra preta porque nós positivamos o seu significado. Nós tomamos posse dessas palavras né? É então de pele mais preta, mais escura e de traços de negritude mais intensos né? Mais demarcados e assim, sucessivamente. Se você olhar para ver a autodeclaração de pessoas indígenas também estão ali dentro as pessoas indígenas miscigenadas. Também, quando a gente fala das pessoas amarelas né? Seja pessoas descendentes asiáticas, por exemplo. Enfim, ou seja, qualquer que seja o seu lugar ali na autodeclaração do IBGE. Não importa se você vem ou não de uma linhagem miscigenada. Digamos, assim. Bom. Para gente finalizar, quero fazer uma última pergunta, então, a gente até começou a falar sobre isso também. Mas, durante as nossas conversas uma palavra que a gente usou foi a palavra racializado. Quem que é racializado? Quem que não é racializado? Quem tem raça no Brasil, gente? Branco tem raça?

 

Suzane: Todo mundo. Todo mundo tem raça no Brasil.  Essa que é a grande pegadinha da questão. Porque se você pergunta, para a maioria dos brasileiros, quem tem raça no Brasil, ele vai falar do preto. Ele vai falar do preto. Ele vai falar do pardo. Ele vai falar do indígena. Ele vai falar do amarelo até de algum jeito meio tímido, porque ele não sabe direito onde o amarelo se encaixa. Mas, ele vai mencionar agora ele não menciona o branco. Ele não menciona o branco. Mas, a questão é todo mundo tem. Branco também é raça. E, se a gente não começar a olhar o branco, enquanto uma raça e o quanto isso também inform. Sobre a branquitude. Sobre raça. Sobre o Brasil. Sobre nossas hierarquias. Sobre classe. Aí a gente não vai conseguir ter essa conversa com a seriedade necessária, porque são todos. Mas, aí é o que que se responde quando essa pergunta é feita.

 

Mariana: Não. Concordo. Essa questão de você se esconder atrás de uma pretensa neutralidade. Para não se elabora. Para eu acho que em última instância. Nossa, essa pretensa neutralidade. Ela traz muitas vantagens porque você pode ser abster do debate.  Você passa por aquilo, assim. Você não se envolve né? Você não se envolve. Você tem esse… essa grande, para mim, uma grande vantagem de fechar a porta e fingir que aquele assunto não existe.  Porque ele não vai vir atrás de você né? Se ninguém vira e fala assim: – Você também tem. Essa questão do outro né? Se tem um outro, tem alguém desse lado daqui. Então, esse silenciamento, para mim, acho que é uma das grandes. Talvez vantagem última, assim, né?  Que o branco que a branquitude de tem. Todo mundo que conseguir passar nesse… nessa, nessa flertas no Brasil. Para mim, é uma flertas né? Porque [pausa] Mas, é isso que eu não tenho fenótipo, quando o teu meio permite. Quando você foi muito bem ensinado. Todas as tecnologias para silenciar essa conversa. Seja quando você diz assim ai não, não sou. Ai tenho uma avó. É para não assumir, assim, que você tá no lugar e que existe um lugar, do qual você ser anunciado, qual você vê as coisas. Então, é isso ou ninguém tem. Porque afinal de contas né? Biologicamente raça não existe ou todo mundo tem. A gente tem que falar sobre isso. E, tem que falar sobre essa tecnologia que foi criada há muito tempo e operando muito tempo para hierarquizar, silenciar, aniquilar, né? Em vida ou concretamente falando. Quando é assim. Quando você confrontado com isso é eu não. Eu, particularmente, não consigo entender como alguém não trava. Quando vê tudo isso né? E, fala nossa: – É isso que se descortina na minha frente. Ou, fico muito perplexa com tudo que a gente cria para continuar seguindo e tal.

 

Suzane: Sabe por que não travam?

 

Mariana: Ou é todos ou não é ninguém.

 

Suzane: Sabe por que não travam? Sabe por que não travam? Porque ser neutro é privilégio.

 

Mariana: Porque é muito. Porque é bom.

 

Suzane: Quando você é neutro significa que você é o padrão. Você é a norma. Se você é um neutro.

 

Mariana: Sim.

 

Suzane: Se você é um neutro. Você não tem raça sentada é a régua.

 

Mariana: Você tem toda a razão. E, você volta para esse lugar muito confortável. É muito confortável.

 

Arlane: Gente

 

Mariana: Pode ser muito confortável.

 

Arlane: Tem uma. Assim, quando a gente vai dentro ali das organizações, né? Nós três trabalhamos com organizações, com palestras. Então, a gente já tá bastante acostumada com algumas as reações. Tem reações que são bastantes comuns

 

Mariana: Parece um roteirinho, né?

 

Arlane: Parece um roteiro. Quando a gente começa a falar de raça. Quando a gente começa a fazer letramento racial. Mas, tem uma delas que eu acho bastante intrigante que é assim: A pessoa abre o microfone. E, tá tudo bem se você é essa pessoa que bom que você tá aqui para a gente conversar sobre isso agora. Mas, a pessoa abre o microfone. ela começa a falar, assim: não porque eu não discrimino ninguém por cor. Eu sou uma pessoa é fui criada para ser uma pessoa para ver todo mundo igual, para tratar todo mundo igual

 

Suzane: Adoro samba.

 

Arlane: É, adoro samba e tudo mais. Inclusive, eu tenho um amigo que é negro e que eu chamo ele de negão, mas é um apelido carinhoso e tudo mais. Ele não se importa com isso né? A gente tem uma relação de longa dat. A gente se ama, se respeita e tá sempre saindo junto, e tal. Eu dou uma pausa, quando recebo esse comentário e aí eu retorno a pergunta para pessoa. Falo assim: Que bom que você tem uma amizade de uma pessoa negra na sua vida. Mas, eu queria te fazer a seguinte pergunta: por que você faz questão ou por que que você acha que importa chamar um homem negro pela cor dele? Chamar um homem negro de negão. Por que que isso importa ao ponto, inclusive, de você trazer isso aqui, para gente, como uma questão a ser validada dentro da pauta, dentro da questão étnico-racial. Você já parou para pensar que não existe. Assim, nunca passou pela sua cabeça. Não existe essa possibilidade de você considerar essa uma questão com o mesmo nível de importância para você chamar pessoas brancas, por exemplo, de branquinha, brancão.

 

Mariana: azedo.

 

Arlane: Não existe esse paralelo né? Pode até ter alguma instância alguma exceção né? Você chamar alguma pessoa ali de branquinha etc., mas, isso não se compara.

 

Mariana: Não é equivalente.

 

Arlane: Não é equivalente né? A questão é tão importante para você que você quer dizer para mim que assim eu não sou racista. Eu, inclusive, [pausa]. O meu amigo negro valida… eu o identificar pela cor dele. Porque que existe diferença. Porque que existe essa disparidade. Então, é isso é daí que a gente começa a entender. Quem é que tem raça né? A pessoa branca, ela não tem raça. Ela é um indivíduo. Ela é uma pessoa. Ela tem a própria história. Ela tem a própria individualidade. As próprias características dela. Aonde quer que ela esteja. Ela está porque ela fez por merecer foi esforço próprio. Agora, quando a gente fala de negros, de pessoas negras. Ah, não tem pessoas negras aqui dentro da organização. Ah, porque elas não são competentes. Elas coletivamente. É uma característica desse grupo. Esse grupo não é competente o suficiente. Esse grupo não se esforça o suficiente. Esse grupo não faz por merecer é não chega na universidade né? Enfim, ou seja, você tem uma atribuição de características a um coletivo né? Você tem uma forma de tratar esse coletivo e de identificar esse coletivo. Como chamar de negão. Como chamar de negona, por exemplo. Chamá-los, inclusive, pelas características da raça, pelas características ali do fenótipo, da aparência. Ao passo que para pessoas brancas não se aplica em nenhuma instância o mesmo né? Então, só retomando a fala que a Suzane trouxe no começo todas as pessoas têm raça. Inclusive, você que é uma pessoa branca. Mesmo que não exista esse reconhecimento verbal né? Ou externalizado existe um coletivo. Existe um conjunto de características que denomina, que exibe, quais que são aí as formas que as pessoas brancas se comportam, tomam decisões. Enfim, vão lidando aí com os desafios e as coisas da vida

 

Mariana: Tem tanta cor temos que mover de tema.

 

Arlane: Não, Mari, pode falar.

 

Suzane: Eu acho que você deu o exemplo muito bom. A gente tem que mencionar né? Porque sempre tem um cara que vai falar do amigo negro, mas também tem uma pessoa que vai falar. Eu, por exemplo, já namorei duas negras. Eu, por exemplo, a minha esposa ela é uma negona linda, sabe? É muito cruel isso, né? O quanto você usa a sua colocação da diferença, porque você tá pontuando a diferença para tentar passar que não há diferença alguma. É muito cruel de certo modo.

 

Mariana: Como duas coisas tão opostas podem estar sendo ditas e quem ouve não vai achar aquilo esquisito é você falar. Você fala eu enxergo, mas depois você vem despotencializa.

 

Suzane: Exatamente

 

Mariana: Então, assim, eu tô falando que eu tô vendo que você tá falando, mas eu já achei um jeito de dar uma volta nisso.

 

Suzane: Exato. Porque eu amo. Porque eu gosto. Porque é meu amigo. Porque a negona. Porque a minha empregada. Porque é quase da família.

 

Mariana: a hora… aí tem tanta coisa neste exemplo que você trouxe. Ele se repete tanto é o meu coração também assim ficou em suspenso. Não foi menos cruel você trazer essa questão da amizade, dos afetos. Mas, quando vem daquela formulação. Não, inclusive, eu tive uma mãe preta. Eu tive uma empregada preta que me criou. Ou, nossa não eu tenho uma. Eu acho que hoje em dia é mais difícil nos ambientes a pessoa falar não eu tenho uma empregada que é negra. Mas, essa da mãe preta e tal ainda. Eu acho que acontece bastante no ambiente, talvez que a pessoa tá em menos pessoas. Mas, essa questão como afeto. Até o afeto. O afeto não impede né? Você, então, você tá dizendo que você tem afeto por algumas pessoas. Tem tantas camadas. Então, você tem um amigo negro. Você tem dois amigos. Nossa, em um país de maioria negra, você tem dois amigos negros. Aí volta para aquilo que você falou da pessoa que diz que viu um. Você fala assim: não eu sou capaz até de ter afeto por uma pessoa negra e mesmo assim não admito que existe hierarquia. Para terminar, ainda tudo isso. Assim, tipo a cobertura do bolo da branquitude. Você. Aquela coisa que a gente tem assim: se eu sou uma pessoa boa, eu não posso ser racista. Então, o que ela também tá dizendo assim: existe racismo aquele existe, mas, eu não sou. Então, todo mundo essa altura admite que existe, mas eu não sou. Então, nossa, o racismo é uma coisa que paira sobre a nossa cabeça. Sobre nós. Não sabemos quem é que reproduz, né? Você vai extraindo assim tá tudo nessas falas que ainda são ditas com a intenção, na verdade, despotencializar o trabalho de que está sendo feito né?

 

Suzane: É por isso que a gente sempre brinca né? Quando vem alguém fala não porque eu já tive uma namorada negra fala. Pô, desculpa, você não leu atualização? Agora, você precisa de quatro namoradas negras para ser considerado não racista falta três. Sabe.

 

Arlane: Tem que trabalhar mais um pouquinho.

 

Suzane: Exato. Atualização 2023. Vamos lá mudou.

 

Mariana: Dá um refresh. Aperta o botão.

 

Arlane: Sim. Gente, assim para a gente fechar essa discussão.

 

Mariana: É capaz da pessoa não entender a ironia.

 

[Risadas]

 

Arlane: Não entendeu. E, começar ativar as buscas.

 

Mariana: Vai mudar lá no Tinder. Não vai entender a ironia.

 

Arlane: Vai entrar no Dengo [aplicativo de relacionamento direcionado para pessoas negras].

 

Mariana: Vai tirar uma foto mais escurecida para dizer que não é tão branco assim.

 

Arlane: Sim. Estou aqui para cumprir a minha cota de pardo.

 

Mariana: Que branco, mas gosta de quatro samba

 

Arlane: Ai gente. Olha assim. A gente falou aqui de afeto e acho que em algum momento a gente falou, por exemplo, da pauta de gênero né? Aí algumas pessoas falam: ah, porque eu tenho uma esposa que eu amo, eu tenho duas filhas, que eu amo, porque eu tenho uma mãe. Enfim, embora também essa discussão sobre relações sociais seja sobre afeto também. Também chegamos aí nessa dimensão. Numa primeira instância não é sobre afeto. O ponto de partida da conversa não é sobre afeto. É sobre relações de poder. Tem uma foto muito emblemática do Tribunal de Justiça de São Paulo. Se você for lá no Google, pesquisa lá Tribunal de Justiça de São Paulo. Tribunal de Justiça, gente, é a instância do jurídico que em tese é a mais próxima do povo, que é aquela que vai resolver as questões mais do nosso cotidiano das nossas relações civis aqui né? Do nosso dia a dia. E, quando você olha para aquela foto ali do Tribunal de Justiça de São Paulo fica muito evidente, muito, muito, muito evidente, que ela está bastante distante né? Que aquelas pessoas ali, que aquele corpo jurídico está bastante distante do povo. Ou, do que é o povo né? 56% de pessoas negras. 52% de mulheres e outras porcentagens aí.  Pessoas com deficiência. LGBTQIAPN+ etc. Então, ou seja, você tem ali um exemplo né? de uma instituição que exerce um poder é sobre o nosso cotidiano aqui, por exemplo, e que está bastante distante dessa realidade, que está bastante ausente, que desconhece com certeza bastante dessa realidade. Estou aqui dando um exemplo só para tangibilizar um pouco do que nós estamos falando.  Nós estamos falando de relações de poder. Sobre quem decide. Sobre quem tem acesso. Sobre quem tem acesso direito.  Quem tem acesso a oportunidade. Quem dá acesso ao direito. Quem dá acesso a oportunidade. Ou seja, é sobre questões um pouco maiores do que simplesmente afeto. E, aí só usando o último exemplo em relação a pauta de gênero. Aqui no Brasil, por exemplo, a gente hoje tem mais de 90% das pessoas CEO, sendo homens brancos. Isso de acordo com a fundação Dom Cabral em um dado super recente, inclusive. Não tem nenhum problema homem branco ser líder, CEO, ser dono de empresa, ser conselheiro administrativo. Não tem nenhum problema. A questão é que nós estamos num país, no qual esse grupo representa apenas 20% da população.  Mulheres negras são a maioria da população brasileira são 28%. Então, são maioria das mulheres e a maioria da população. Ainda assim esse 20% representa de forma muito desproporcional mais de 90% das cadeiras de CEO. Que não são só cadeiras né? É um conjunto que tá definindo, influenciando política, economia, cultura né? Os rumos do país. O futuro do país etc. Ou seja, esses homens quem… quem quer que eles sejam eles também amam suas mulheres. Eles também amam suas mães. Eles também criam, cuidam suas filhas né? Mas, não é esse o ponto de partida. Não é daqui que a gente tá começando a conversa né? A gente está falando justamente relação de poder. Poxa, cadê as mulheres nessas cadeiras? Cadê as pessoas negras nessas cadeiras né? E, assim, sucessivamente. Bom! Acho que nós descobrimos então né? Quem tem raça no Brasil. Só para fechar a questão ali no começo que eu falei sobre a autodeclaração. Você provavelmente notou que nós não temos autodeclaração negra no censo no IBGE. Essa é uma categoria analítica que vem depois então ali somando as populações preta mais pardo. Você tem aí a população negra brasileira. Então, de fato quando o IBGE bater lá na nossa porta não vai a opção de negritude para se autodeclarar. Bom! Por enquanto, é só acho que a gente deixou várias coisas aí na sua cabeça nesse momento. Vamos então para o próximo!

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Referências

BENTO, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

BENTO, Maria Aparecida Silva. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, p. 25-58, 2002.

SCHUCMAN, L. V. Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana. 2012. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo. 2005.

SCHUCMAN, L. V. Famílias inter-raciais: tensões entre cor e amor. São Paulo: Fósforo, 2023.

PIZA, E. Porta de vidro: entrada para a branquitude. In: Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, p. 59-90, 2002.

NEWHEISER, A.; OLSON, Kristina R. White and Black American children’s implicit intergroup bias. Journal of experimental social psychology, v. 48, n. 1, p. 264-270, 2012.

HERÉDIA, T. Mais de 90% dos CEO’S do Brasil são homens brancos, diz pesquisa. CNN Brasil. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/mais-de-90-dos-ceos-do-brasil-sao-homens-brancos-diz-pesquisa/

Desigualdade no Brasil. Datafolha Instituto de Pesquisas. 2022.